v. 4 n. 6 (2025): Revista de Direito da Saúde Comparado

O direito à saúde, consagrado como um dos pilares do Estado Democrático de Direito, é constantemente tensionado por novos desafios, dilemas éticos e complexidades institucionais. Esta 6ª. Edição de nossa REVISTA DE DIREITO DA SAÚDE COMPARADO (Comparative Health Law Journal) convida o leitor a refletir sobre questões que envolvem o acesso equitativo, a gestão eficiente e a proteção de direitos fundamentais no campo da saúde pública e privada. Em tempos de rápidas transformações tecnológicas e sociais, garantir o direito à saúde significa muito mais do que assegurar o atendimento médico: é proteger a dignidade humana diante de múltiplas vulnerabilidades. O papel da Revista UNISA é reunir a mais atual doutrina nacional e internacional para a discussão crítica dos principais elementos do direito à saúde.

No cenário internacional, destaca-se a crescente preocupação com a proteção de dados de saúde, sobretudo diante da digitalização dos prontuários e do uso de inteligência artificial no diagnóstico e tratamento. O jurista e pesquisador francês Cyril Aufrechter, em seu trabalho La Sécurité des Données de Santé, sublinha que “a saúde do indivíduo não pode ser tratada como um dado qualquer; ela é a expressão mais íntima da sua vida privada”. Tal compreensão impõe aos Estados a responsabilidade de garantir não apenas o cuidado médico, mas também a segurança informacional do paciente, sob pena de se comprometer a própria autonomia do sujeito.

Em paralelo, os dilemas bioéticos ganham espaço nas discussões jurídicas, especialmente quando se trata da objeção de consciência frente à vacinação obrigatória. Maria Cristina De Cicco, Professora Associada na Faculdade de Direito da Universidade de Camerino (Itália), nos alerta para a tensão entre liberdade individual e interesse coletivo, defendendo que “a recusa à vacinação não é um ato isolado, mas sim uma decisão que repercute no corpo social”. Essa reflexão torna-se urgente diante de movimentos antivacina e da necessidade de políticas públicas que conciliem ciência, ética e direitos fundamentais.

No contexto brasileiro, a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) também é objeto de atenção crítica. Alfredo Copetti Neto e Fábio Luis Celli exploram os elevados custos de transação nos arranjos contratuais do SUS, propondo mecanismos de simplificação e maior eficiência na alocação de recursos. A burocracia excessiva, apontam os autores, “não apenas compromete a efetividade das políticas de saúde, como também retarda a prestação de cuidados essenciais à população”. É nesse sentido que a adoção de práticas de compliance e integridade, conforme alertam Deborah Ciocci e Rodrigo Silva Rocha, se mostra essencial para aprimorar a governança na área, e ainda restaurar a confiança nas instituições e nos serviços.

Ainda dentro dos vários pontos de estrangulamento do sistema de saúde, a judicialização ganha contornos dramáticos, especialmente quando se trata do acesso a leitos hospitalares. Kátia Parente Sena destaca os litígios em Belém/PA, como exemplos de uma crise estrutural que exige não apenas soluções judiciais, mas também uma política pública coordenada e proativa. Soma-se a isso a crítica de João Pedro Gebran Neto e Bruno Henrique Silva Santos à política de preços de medicamentos no Brasil, descrita como “uma tragédia” que reforça as desigualdades. Tal situação estabelece importantes confrontos, que podem mesmo abalar a sustentabilidade do sistema.

Dois temas adicionais tratados nesta edição contribuem para o aprofundamento da discussão sobre os fundamentos jurídicos do direito à saúde. José Luiz Toro da Silva argumenta a inexistência de relação de consumo nas autogestões, defendendo que essas entidades operam em lógica distinta daquela do mercado. Por tal razão, as autogestões não deveriam ser submetidas ao Código de Defesa do Consumidor, mas sim a princípios próprios de solidariedade e autorregulação. Já Reynaldo Mapelli Júnior examina os parâmetros constitucionais estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a efetivação do direito à saúde pública, destacando a evolução da jurisprudência em temas como reserva do possível, mínimo existencial e equidade. Referido autor  chama a atenção para o necessário equilíbrio entre ativismo judicial e planejamento estatal.

Por fim, esta edição abre espaço para abordagens interdisciplinares, como a pesquisa de Tamires Silva dos Santos e dos demais co-autores, Valéria Damaso Sardinha, Yasmin Mendes Gimenes de Moura e André Rinaldi Fukushima, sobre a atuação da enfermagem forense no atendimento a vítimas de violência sexual, evidenciando a importância de protocolos humanizados e capacitação técnica. Também se destaca a análise de Mônica Magalhães Serrano sobre o tabagismo e seus impactos coletivos, chamando atenção para o papel do Judiciário na promoção de políticas reparatórias e preventivas.

A revista UNISA abre espaço e promove o debate plural dos temas jurídicos da saúde por professores, promotores públicos, juízes, desembargadores e advogados. Somente o pluralismo em saúde permitirá cuidar de todos por todos os ângulos e meios. Por tudo isso, reafirmando que o direito à saúde, além de um dever do Estado, é um compromisso ético da sociedade com a vida e com a justiça social, desejamos a todos uma ótima leitura.

Agradecemos e ficamos honrados com o prestígio recebido, por podermos publicar esses relevantes trabalhos.

 

Enrique Ricardo Lewandowski

Presidente do Conselho Editorial

 Georghio Alessandro Tomelin

Editor-Chefe

 Richard Pae Kim

Editor-chefe

Publicado: 2025-07-01

Edição completa

DOUTRINA ESTRANGEIRA

  • La sécurité des données de santé

    Cyril Aufrechter
    5-10
    DOI: https://doi.org/10.56242/direitodasaudecomparado;2025;4;6;5-10
  • Objeção de consciência e vacinação

    Maria Cristina De Cicco
    11-29
    DOI: https://doi.org/10.56242/direitodasaudecomparado;2025;4;6;11-29

DOUTRINA NACIONAL

  • Custos de transação dos arranjos contratuais do Sistema Único De Saúde (SUS) como minimizá-los?

    Alfredo Copetti Neto, Fabio Luis Celli
    30-39
    DOI: https://doi.org/10.56242/direitodasaudecomparado;2025;4;6;30-39
  • Compliance e integridade na Saúde Pública Brasileira análise do Decreto Estadual 67.683/2023 e o Papel da CGE/SP

    Deborah Ciocci, Rodrigo Silva Rocha
    40-56
    DOI: https://doi.org/10.56242/direitodasaudecomparado;2025;4;6;40-56
  • Preços de medicamentos no Brasil uma tragédia evitável

    João Pedro Gebran Neto, Bruno Henrique Santos
    57-66
    DOI: https://doi.org/10.56242/direitodasaudecomparado;2025;4;6;57-66
  • Da inexistência de relação de consumo nas autogestões

    José Luiz Toro da Silva
    67-76
    DOI: https://doi.org/10.56242/direitodasaudecomparado;2025;4;6;67-76
  • A Judicialização da saúde em Belém e os litígios por leitos hospitalares uma análise sistêmica com base no mapa da judicialização da saúde do Tribunal de Justiça do Pará

    Kátia Parente Sena, Farah de Sousa Malcher
    77-92
    DOI: https://doi.org/10.56242/direitodasaudecomparado;2025;4;6;77-92
  • Direito à saúde e tabagismo impactos no sistema público e danos coletivos: papel do judiciário

    Mônica de Almeida Magalhães Serrano
    93-115
    DOI: https://doi.org/10.56242/direitodasaudecomparado;2025;4;6;93-115
  • A Saúde Pública e os parâmetros constitucionais do STF

    Reynaldo Mapelli Júnior
    116-133
    DOI: https://doi.org/10.56242/direitodasaudecomparado;2025;4;6;116-133
  • Enfermagem Forense e o atendimento a vítimas de violência sexual uma revisão integrativa

    Tamires Silva dos Santos, Valéria Damaso Sardinha, Yasmin Mendes Gimenes de Moura, Andre Fukushima
    134-140
    DOI: https://doi.org/10.56242/direitodasaudecomparado;2025;4;6;134-140