Memória e cultura material: Cemitério Campo da Saudade, Município de Couto de Magalhães
Resumo
O cemitério Campo da Saudade foi o primeiro ambiente fúnebre a ser construído pelas primeiras sociedades ribeirinhas que se estabeleceram em Porto Franco do Araguaia, distrito do município de Couto de Magalhães (TO). Por se tratar de um cemitério histórico que ainda permanece em uso, transforma-o em um ambiente de suma significância para os habitantes ao longo do tempo. É um espaço cultural definido, que faz parte da história do município, região que, primeiramente, foi ocupada no período colonial, a partir do aviso de 5 de setembro de 1811, incorporada por Fernando Delgado de Castilho, com o objetivo de proteger o comércio entre as províncias de Goiás e Pará, que sofriam com ataques constantes dos nativos pelas vias fluviais do rio Araguaia. Por ser um espaço de sepultamentos, partiu-se do pressuposto de que o cemitério representa parte da dimensão concreta das relações sociais, um segmento físico de que o homem se apropria como suporte para suas produções e reproduções culturais em meio à vida cotidiana. São vetores que conduzem as relações sociais e a sua organização no âmbito do imaginário da morte, é um espaço canalizador que exprime determinado valor simbólico e funcional em meio à coletividade. Esse quadro de expressões projetado na cultura material funerária tende a reproduzir-se em meio à dinâmica da memória, é de natureza igual aos mecanismos de adaptação que geram mudanças, principalmente de interpretações sobre o mundo material que nos cerca. A construção do contexto cemiterial, situa-se naquela fronteira em que se cruzam os modos culturais dos indivíduos em coletividade, com fortes interferências da construção do consciente e inconsciente da memória individual. Quando se trata de compreender as manifestações da memória no contexto do referido cemitério, é notória a existência das variações no tratamento de cada sepultamento, ou seja, tipologias distintas de origem católica. Diante disso, o maior objetivo da pesquisa foi analisar os possíveis fenômenos sociais e mentais que contribuem para a formação das variações tumulares, padrões e formas específicas de ocupação espacial presentes no contexto do Campo da Saudade. O estudo foi desenvolvido de maneira interdisciplinar, que percorre o âmbito da filosofia, história e antropologia, tendo como base teórica os autores Henri Louis Bergson (2005, 2006, 2009), Arnold van Gennep (2011), Roberto DaMatta (1997), Jacques Le Goff (1990, 1994, 1995, 2004), Philippe Ariès (1981, 2017), Claudia Rodrigues (1997, 2005), José Carlos Rodrigues (2006) e José de Alencastre (1979). Os resultados obtidos a partir das análises de cunho qualitativo e quantitativo demonstraram que o contexto do cemitério não poderia seguir em análise apenas pelo viés das representações sociais em coletividade, porque a maneira como o consciente e o inconsciente atuam na memória individual é imprescindível no resultado da releitura do mundo que nos cerca. Foi considerado que as variações tumulares seriam materializações das representações do espírito (inconsciente), que proporciona uma espécie de coexistência entre passado e presente, o novo. Os padrões e demarcações dos enterramentos, ou maneiras específicas de organização dos corpos inseridos no cemitério, foram associados às ações imediatas do consciente em relação ao espaço, o espaço vazio e homogêneo no qual a inteligência humana se realiza. É nele que conseguimos nos organizar de maneira lógica, ou seja, organizar o que se apresenta como fenômeno externo a nós. A extensão dos corpos em relação ao espaço possibilitou compreender que uma das condições do ser-no-mundo é o ser-no-espaço, o que nos valeu uma nova interpretação, no que tange o processo de construção da memória associada às ações e à representação do universo material